quarta-feira, julho 30, 2008

Fredegunda e os Merovíngios

Foi publicado em Junho deste ano o mais recente livro de Jean-Louis Fetjaine - As Rainhas de Púrpura, I Volume: A Cortesã. Trata-se de um romance histórico centrado num dos períodos mais conturbados da Alta Idade Média e que tem como principal personagem Fredegunda, a amante de Quilperico I (539-584), quarto filho de Clotário I, rei de Francia. A narrativa, de leitura agradável, dá-nos uma visão das lutas pelo poder no tempo dos Merovíngios e procura ser fiel aos factos históricos tal como estes chegaram até nós. No final do livro o autor apresenta a bibliografia consultada que, embora não seja volumosa, aponta uma obra fundamental - L'Histoire des Rois Francs de Grégoire de Tours - principal fonte contemporânea da história merovíngia.

sexta-feira, julho 25, 2008

5ªs à Noite nos Museus

Resolvi recomeçar a escrita neste blog divulgando uma excelente iniciativa do IPM - 5ªs à Noite nos Museus. Embora não conste que os quadros ganhem vida ou haja figuras de cera a passear pelas galerias como no filme de Shawn Levy, não pensem que estas ofertas nocturnas se limitam a um simples passeio pelas galerias.
Uma boa opção para quem ficou pela cidade e quer terminar o seu dia de Verão em beleza. Basta consultar a programação no site do IPM:

segunda-feira, maio 26, 2008

Carbono 14

Há dias em que nada apetece, em que toma conta de nós uma espécie de letargia e o mais que se consegue é ficar para ali, de cabeça vazia, entregue à monotonia. Ontem foi um desses dias e nem o livro novo, ainda por folhear, me despertou o interesse. Acabei por me deixar ficar, a percorrer os canais da TV Cabo, mas sem grande esperança de encontrar algum entretenimento nisso. Como no canal MOV estava a começar um filme e eu gosto de os ver desde o seu início, parei o zapping e prestei atenção. O nome do actor principal, Jean-Claude Van Damme, deixou-me logo de pé atrás, mas o título "Timecop, Patrulha Do Tempo" e uma história em torno de viagens no tempo, foram o argumento para eu dar o benefício da dúvida.
O filme era escandalosamente mau e deixei de o ver a partir do momento em que, a certa altura, observando umas barras de ouro, um dos protagonistas afirma tratar-se de ouro de 1800 e picos, facto comprovado através do teste do Carbono (a que se referiria?!). Mas que disparate mais grosseiro! Passou-me logo a preguiça e lá fui eu ...aos livros e à Internet.

O teste do Carbono-14, ou radiocarbono, é um dos mais conhecidos métodos de datação de restos orgânicos, de origem animal ou vegetal: quando um animal ou uma planta morre, o C14 que ele contém começa o seu processo de desintegração; medindo a radioactividade residual de um achado obter-se-á, portanto, o número aproximado de anos decorridos desde a morte do vegetal ou do animal de que provém.

"MÉTODO DO C14 OU RADIOCARBONO

Baseia-se na determinação da proporção entre o C14 e o total de carbono existente numa amostra (considerando-se um sistema fechado). A amplitude de datação coberta por este método é de 500 a 50.000 anos.

Existem 5 isótopos de C dos quais o mais comum é o C12. O C14 forma-se continuamente, de modo natural, nas partes elevadas da atmosfera (entre 15.000 e 20.000m de altitude) pela interação dos raios cósmicos com o N14. O C14 assim produzido passa a participar do óxido de carbono da atmosfera, sendo incorporado, no habitat terrestre, pelas plantas, através da fotossíntese e, finalmente, pelos animais, através da cadeia herbívoro-carnívora. Nos habitats aquáticos, dissolve-se nas águas, passando à composição das plantas e animais que ali vivem.

Com o correr do tempo, o C14 vai-se desintegrando, transformando-se novamente em N14. Considerando-se que: 1) a proporção C14/C12 conhecida da atmosfera manteve-se constante nos últimos 50.000 anos; 2) que essa proporção se distribui de maneira uniforme e 3) que após a morte dos organismos, a composição isotópica do carbono só se alterou por desintegração, basta medir a C14/C12 para se saber a idade do organismo.

O período da meia-vida do C14 ainda não está seguramente definido. Alguns autores como equivalente a 5.730 ± 40 anos e outros 5.570 ± 30 anos.

A proporção C14/C12 na atmosfera modificou-se a partir de 1950, por efeito das explosões nucleares. Desta maneira, a idade é fornecida com relação ao ano de 1950, com a abreviatura A.P. (antes do presente)"

sexta-feira, maio 02, 2008

Atelier Daynes: olhar quem fomos

A possibilidade de vermos o rosto de alguém que já não está entre nós e do qual apenas restam as ossadas, é algo perfeitamente possível hoje em dia e o ATELIER DAYNES é um bom exemplo disso.
Elisabeth Daynès, em estreita colaboração com os paleoantropólogos, tem realizado diversos trabalhos de reconstrução cujos resultados são, a meu ver, de "cortar a respiração".
Vale a pena passar pelo site, mas o melhor era mesmo ir até lá

domingo, abril 20, 2008

O Menino do Lapedo

Tema proposto por lunatic
A origem do Homem é um dos temas que mais fascínio exerce sobre nós e principalmente desde o advento da teoria Darwiniana da origem das espécies. Os inúmeros fósseis que têm vindo a ser descobertos ao longo dos anos têm-nos permitido traçar uma linha de evolução, ramificada é certo, que situa as nossas origens num tempo tão distante como os 7 a 4,4 milhões de anos (pré-Humanos: Sahelanthropus tchadensis, entre outros). O homem actual - Homo Sapiens Sapiens - será, pois, à luz do evolucionismo, um resultado final e o único representante do seu género (Homo). Sabemos hoje que, há alguns milhares de anos, a nossa espécie partilhou algumas regiões do globo com uma outra, o Homo Sapiens Neanderthalensis. Aqui importa fazer uma ressalva: partilhar espaços geográficos não é sinónimo de coabitação ou cruzamento genético; lidamos com um tempo demasiado longo e não existem vestígios materiais concretos de uma possível convivência entre as duas espécies.

O menino do Lapedo
Em 1998, no sítio do Lagar Velho (Vale do Lapedo, Leiria), foram encontradas umas ossadas fósseis de um indivíduo de 4 anos de idade com cerca de 25 mil anos.

A descoberta acabou por dar origem a um livro intitulado Portrait of the Artist as a Child: The Gravettian Human Skeleton from the Abrigo do Lagar Velho and its Archeological Context (publicação do IPA, exclusivamente em Inglês vá lá compreender-se o porquê) onde os seus autores, João Zilhão e Erik Trinkaus, apontam o "Menino do Lapedo" como o resultado de um possível processo de mestiçagem entre Sapiens e Neanderthalensis:
"Com efeito, alguns aspectos como a dentição, a robustez dos ossos dos membros ou as proporções relativas da tíbia e do fémur mostram características próprias dos neandertalenses. Pelo contrário, outros como a dentição, o queixo ou as proporções e morfologia da bacia, são claramente próprios dos homens de tipo anatomicamente moderno." (in Tinta Fresca).
A técnica de datação utilizada foi a do Carbono14, contudo não se recorreu a uma análise do DNA mitocondrial que, embora não seja 100% exacta, nos poderia ajudar a comprovar esta teoria.

Em 1997, quatro pesquisadores, dois alemães e dois americanos, conseguiram recuperar uma pequena quantidade do DNA do osso de um Neanderthal (estudo de um trecho de DNA mitocondrial) e compararam-no com o trecho correspondente de 986 outros tipos, provenientes de seres humanos actuais. O resultado conduziu à seguinte conclusão: o DNA dos Neanderthais é muito diferente; encontra-se pelo menos o triplo de divergências do que quando se comparam duas amostras de DNA actuais; logo, o Homo Neanderthalensis é uma espécie diferente da nossa e não houve cruzamento genético entre ambas. Volto a repetir que não se trata de uma análise 100% exacta, conclusiva, mas que apresenta sim uma forte evidência.

Será então ou não o Menino do Lapedo um "eco do passado"? A prova de que duas espécies do género Homo se cruzaram?

"Se na Europa, e numa escala menor no Médio Oriente, encontramos traços de uma coexistência dos dois homens, não existe em contrapartida nenhum resto fóssil a atestar com certeza que eles coabitaram. Os poucos fósseis de híbridos, como o da criança do Lagar Velho em Portugal, deixam perplexa a maior parte dos paleantropólogos porque a descoberta de uma sepultura conjunta seria mais convincente. Esta coabitação é posta em causa por um outro elemento de natureza geográfica: a população neandertalense está estimada em 10 mil indivíduos repartidos pela Europa Ocidental. Uma ocupação mínima mas sobretudo esparsa, bem como hipotética, que teria limitado os contactos com os Homo Sapiens. E se os contactos tiveram lugar, o seu carácter hostil, amigável e porque não sentimental continuam a ser um fascinante mistério." (Diane Grabmuller in revue Science est Vie, Hors-Série, nº235, Edition Trimestriel, Paris, Juin 2006, trad. Maeve)

domingo, abril 13, 2008

Duas informações úteis

1.Europa Romana: encontra-se na Web, desde finais do ano passado, um site que pretende reunir todos os museus da Europa especializados na época romana. O Museu Monográfico de Conimbriga foi um dos primeiros a aderir a este projecto que visa, sobretudo, a troca de informação entre museus e público interessado.

2. Base de Dados Endovélico: para os que quiserem conhecer sítios arqueológicos nacionais, o Instituto Português de Arqueologia disponiliza no seu site o acesso à informação contida na sua base de dados, mediante pesquisa do utilizador.

IPA - Base de Dados Endovélico (ver no menu do site)

quinta-feira, abril 03, 2008

Revolução de 1383 - II

Como evoluiram os acontecimentos após a morte do Conde Andeiro?
Já sabemos que em resposta ao apelo de Gomes Freire e Álvaro Pais, o povo acorreu ao Paço da Rainha para ajudar o Mestre de Avis. De ânimos acesos e julgando-se liberto de todas as amarras socio-económicas, a "arraia-miúda" comete excessos vários - mata o bispo da Sé porque este não mandara tocar os sinos a rebate; mata o prior de Guimarães que, por acaso também estava lá; mata o desprevenido tabelião de Silves que tivera o azar de chegar nesse dia a Lisboa; projecta roubar os judeus e os mouros.
No Paço, o Mestre tenta justificar-se perante Lenor Teles, pede-lhe perdão(não sem ter jantado antes, claro), que fez o que fez por uma questão de segurança da sua própria vida. A rainha é que não está pelos ajustes e parte para Alenquer, juntamente com uma boa parte da nobreza, de onde pedirá auxílio ao seu genro, o rei de Castela. Afonso Telo, um dos principais implicados no golpe, acompanha-a.

E agora? O Mestre de Avis não tem dúvidas - a vingança não tardará. Resolve fugir para Inglaterra. O povo cai em si e adivinha já as represálias que sofrerá. Prevê-se invasão castelhana...massacre. Nenhum dos envolvidos na trama e seus apoiantes se preocupa com o que poderá acontecer à plebe urbana: "O povo, que nascera para trabalhar, não podia fazer parte das suas preocupações. O melhor era, como aconselhava (a prudência), cada qual pensar na segurança de seus bens.", diz-nos Valentim Fernandes (1).

Álvaro Pais parte para Alenquer, na esperança de conseguir uma reconciliação com a rainha e é aqui que surge um pormenor interessante - propõem-se a Leonor Teles, a "aleivosa" no dizer do povo, que case com o Mestre de Avis. Pormenor interessante porque nos mostra que, a despeito do que de mal dela se pensava, não passava de um "joguete" em toda a trama política e era essa, sem sombra de dúvida, a posição da mulher nobre na Europa medieval - servir interesses políticos e patrimoniais (ambos interligados), por via do casamento. Leonor Teles rejeitou a proposta, mas não teve melhor sorte por causa disso, uma vez que terminou os seus dias enclausurada no Mosteiro de Tordesilhas, a mando do seu genro.

Entretanto em Lisboa, o Mestre de Avis é animado a não partir. Saliento aqui a intervenção de um certo emparedado, Frei João da Barroca, muito dado a profecias e que sob consulta terá vaticinado o trono ao futuro rei de Portugal. Enfim, lá fica marcada "assembleia" na Igreja do convento de S. Domingos (Rossio) onde "os homes dos mesteres, pobradores e moradores de Lisboa"(2) e inúmeros populares resolvem elevar o mestre à categoria de "Regedor e Defensor do Reino". A burguesia citadina, à cautela, ainda se tentou abster de tal decisão, mas acabou por a aceitar.

Agora sim, vão surgir as compensações para quem as merece (e não merece). O Mestre, que nesta altura não passava de um mero representante dos interesses ao trono do seu meio-irmão D. João (filho de D.Pedro I e Inês de Castro), retido em Castela, constitui um conselho formado por burgueses que viram assim atendidas as suas antigas reinvindicações de associação ao poder político. Por sua vez, o governo da cidade de Lisboa fica entregue aos mesteirais. Acerca destes últimos diz-nos Maria José Ferro: "A 1 de Abril de 1384, o Mestre de Avis privilegia os naturais de Lisboa, numa carta que não se contenta com o formulário usual de confirmação de privilégios anteriormente outorgados, mas que é, sobretudo, uma resposta a possíveis reinvindicações do povo miúdo.(...) É nele, segundo a nossa opinião, que está patente a grande vitória que o povo miúdo dos mestres obteve com a sua acção em 1383-85:
- uma participação activa na vida do município;
- uma colaboração, por intermédio de representantes seus, no conselho régio;
- e a inversão dos privilegiados no pagamento de impostos, o qual seria distribuído em função da riqueza de cada um donde a isenção dos menos ricos
(o que me faz isto lembrar?!)".(3)
A estas disposições se acrescenta que em 1385, todas as pretensões dos mesteirais foram deferidas por D. João I.

(1) Lisboa. A Força da Revolução (1383-1385), Col.Horizonte Histórico, nº7, Livros Horizonte, Lisboa, 1985

(2) Fernão Lopes, Crónica de D. João I

(3) "A Revolta dos Mesteirais de 1383" in Actas das III Jornadas Arqueológicas de 1977, Vol.I, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 1978, pp.367-368

sexta-feira, março 28, 2008

Museu de Odrinhas

Quem se aventure a dar uma daquelas voltas domingueiras até à Ericeira, fica desde já a saber que ao passeio pode acrescentar um pouco de História. Partindo de Sintra rumo à Ericeira, pela EN247, chega-se ao lugar de Odrinhas onde se encontra um belíssimo museu arqueológico que reúne um interessante conjunto de peças arqueológicas, romanas e visigóticas entre outras.
Curiosamente é este museu que alberga os três únicos sarcófagos etruscos existentes em Portugal.

Instalado no local onde outrora existiu uma villa romana e de que restam ainda algumas estruturas, possui um interior "moderno", agradável, onde o espólio está bem organizado. A visita é guiada, com simpatia e com a preocupação de esclarecer as dúvidas dos visitantes. Num espaço exterior, anexo ao museu, encontra-se o único cemitério de cariz medieval escavado em Portugal. Próximo, também, é possível observar os "Menires da Barreira", um conjunto megalítico datado de cerca de 3000 a.C.

quarta-feira, março 19, 2008

A revolução de 1383 - I

Dizem-nos os velhos alfarrábios que, num arrobo patriótico e em defesa da nossa independência, o povo lisboeta saiu às ruas numa certa manhã de 6 de Dezembro de 1383 (talvez rente ao meio-dia, talvez mais). Que morreram umas quantos gentes, inclusivé o desgraçado bispo que foi lançado de uma das torres da Sé, onde se refurgiara aflito, e acabou entregue aos cães no Rossio. Velhos ódios populares, insatisfações e vida miserável, numa época economicamente difícil, explodiram em força naquele dia. Sábio poder que as soube conter e que as soube largar na devida altura! Os tais velhos alfarrábios dizem-nos que um certo Conde João Fernandes Andeiro, galego de origem e amante da rainha Leonor Teles (com a qual já prevaricava ainda em vida de El-Rei D. Fernando), esteve na origem do levantamento pois tentara matar o ditoso filho bastardo de D. Pedro, de boa cepa portuguesa e sem misturas castelhanas - D. João, Mestre de Avis.
Existiam, claro está, as velhas intriguices que deixavam o povo curioso e revoltado (já que ao tempo não existiam telenovelas). É certo e sabido que do casamento de D. Fernando com Leonor Teles apenas saira uma filha e que esta, na sequência do seu casamento com D. João de Castela, punha nas mãos do seu marido o futuro de Portugal (Tratado de Salvaterra de Magos, 1383); de igual modo era sabido que Leonor, estando D. Fernando na alcaçova, se entretinha com o Andeiro...ah, que "aleivosa"!
Bom, mas o que aconteceu realmente? A leitura de Fernão Lopes não nos deixa dúvidas - o povo foi manipulado (assim como é contido, assim pode ser largado...).

A TRAMA
Lisboa, 6 de Dezembro de 1383. São dez, onze horas da manhã. Aproxima-se o momento em que a maior parte dos habitantes da cidade de Lisboa disfruta da primeira refeição substancial do dia - o jantar. No Paço de Apar S. Martinho, próximo da Sé, o Conde Andeiro recebe do Mestre de Avis o primeiro dos golpes que lhe irão pôr termo à vida. É Rui Pereira, tio daquele Nuno Álvares que viria a destacar-se em Atoleiros e Aljubarrota, que termina à espada o que fora começado. Os dois assassinos não estão sós - João Afonso Telo, conde de Barcelos e irmão da rainha e outros de estirpe semelhante. Dando seguimento ao combinado com Álvaro Pais (antigo Vedor da Chancelaria), o pagem do Mestre de Avis sai a cavalgar pela cidade, berrando: "Maton o Meestre! maton ho Meestre nos Paaços da Rainha! Acoree ao Meestre que matam" (1) É o alvoroço! Junto às portas do Paço, a indignação popular cresce e ouvem-se insultos vários contra a "aleivosa" e o malandro do Andeiro. Finalmente, o Mestre assoma apaziguador a uma janela: "Amigos apacificae vos, ca eu vivo e saão soom a deos graças."(2) Ao que povo responde, aliviado: "Que nos mandaees fazer, Senhor? que querees que façamos?".(3)
A trama estava consumada.
O desgraçado do Andeiro foi enterrado sem espalhafatos na Igreja de S. Martinho, da qual hoje em dia nada resta e sobre cujo local passa agora o eléctrico que sobe para a Graça.
Os factos, tal como nos são narrados por Fernão Lopes, nada têm de invulgar para a época. Os assassínios políticos eram comuns - o próprio rei D. Fernando, anos antes, fora alvo de vários atentados e, na vizinha Castela, Henrique de Trastâmara eliminara a golpes de punhal o seu irmão bastardo D. Pedro; e o que dizer de uma certa Inês de Castro, aparentemente inofensiva e que acabou degolada embora fosse mãe de príncipes?!
O que os mentores do homicídio do Conde Andeiro provavelmente desconheciam é que, com o seu "golpe de estado" e manobrando o povo, tinham despoletado um processo que iria agitar Portugal.

(continua)

(1)(2)(3) Fernão Lopes, Crónica de D. João I, Cap. XI

segunda-feira, março 17, 2008

Lisboa Medieval: apontamentos

Legenda da imagem:
a) Rossio b) Alcaçova do castelo c)
d,e) Cerca moura

Quem passeia hoje pela cidade de Lisboa não tem, nem pode ter, a percepção de como ela era no tempo em que D. Afonso Henriques a conquistou aos mouros. O burgo evoluiu, naturalmente, mas mesmo aquela que pode ser considerada a sua zona histórica sofreu grandes alterações e em boa parte devido ao terramoto de 1755. O que hoje subsiste de "medieval" em Lisboa pode ser encontrado nos antigos bairros de Alfama e Mouraria, no alto e na vertente sul do monte onde podemos ver o que resta do castelo de S.Jorge e mesmo esse sofreu importantes intervenções de restauro na década de 1940 (1).

Quando em 1147 D. Afonso Henriques conquistou a cidade, supõem-se que esta teria já entre 12 a 15 mil habitantes. Para além do casario intra-muros (Cerca Velha ou Moura), existiria já um populoso bairro em parte do vale da Baixa, fundado sobre a acumulação de sedimentos e assoreamento do esteiro do Tejo(2).

D. Afonso III foi o primeiro rei que estabeleceu corte em Lisboa, elevando-a a capital do reino e iniciando, assim, um período de mais rápido desenvolvimento. Se algumas cidades do nosso país ficaram a dever o seu crescimento e a sua prosperidade ao comércio externo, principalmente marítimo, Lisboa foi uma delas. A sua importância comercial era evidente devido à tradição do seu comércio muçulmano e ao seu bom porto. Quando nos fins do séc. XIII, os italianos iniciaram as suas viagens para a Flandres, através do estreito de Gibraltar, estabeleceram-se nalguns portos portugueses, sobretudo em Lisboa. A cidade tornou-se, então, um activo centro de comércio.

A partir de meados do séc. XIV, o crescimento da cidade acentuou-se devido à forte imigração de centenas ou milhares de pessoas oriundas de todo o Reino. Esse crescimento foi de tal forma que D.Fernando (1345-1383) resolveu proceder a novo amuralhamento - as novas muralhas levaram 2 anos a construir e fechavam uma área de 103 hectares; as suas portas principais eram as de Santa Catarina (ao actual Largo das Duas Igrejas), São Roque (largo de Trindade Coelho); postigo do Duque, Portas de Santo Antão (aproximadamente onde é hoje a Casa do Alentejo), da Mouraria, de Santo André e da Cruz, correndo a muralha, na margem, até ao Corpo Santo.
À semelhança de outros burgos em condições semelhantes, surgiram espaços comerciais - mercados e feiras -, alguns dos quais nas imediações das portas da muralha. Um desses espaços era o "rossio"(3), próximo da porta de Santo Antão. Outros nós vitais eram as praias e os terrenos junto ao rio que, no tempo de D. Fernando, conheciam um muito concorrido mercado - a Ribeira Velha (designação posterior) - que se estendia do Campo das Cebolas à Rua do Cais de Santarém.
Ainda no séc. XIV, surgiu uma rua dedicada ao comércio retalhista, que se converteu no verdadeiro coração da cidade - a Rua Nova. Ali residiam os ricos burgueses, se abriam as tendas mais ricas e requintadas e se realizavam feiras e festividades. Esta rua ia da esquina da actual Rua do Ouro para a de S. Julião, descaindo para a margem, até ao ponto onde a Rua dos Fanqueiros(4) entronca com a Rua do Comércio.
Os mouros e os judeus possuiam locais próprios para residir - a "aljama" e as judiarias (5), frequentemente próximas das áreas de mais intenso movimento mercantil.
Perto a "aljama" situavam-se as casas nobres da cidade, como sejam o "Paço da Rainha" na Rua do Limoeiro (Leonor Teles), próximo da Sé, e supostamente a casa onde D. João I terá nascido.
Toda a zona da Baixa assemelhava-se muito a Alfama e a actual Praça do Comércio estava alagada. Entre a Praça do Comércio e o Cais do Sodré, seriam os estaleiros navais de D. Fernando.

Não existem, segundo sei, visitas organizadas pela Câmara Municipal de Lisboa ou pelo Museu da Cidade que cumpram um trajecto que nos leve a conhecer a cidade como ela era antes de 1755. O SPGL (Sindicato dos Professores da Grande Lisboa) organiza uma ou outra de tempos a tempos e os não sócios podem inscrever-se...mas não é por aí que vamos lá. As iniciativas nesse sentido partem de escolas, professores e alunos, exigindo muita pesquisa. O Museu da Cidade é um bom ponto de partida dado que possui informação sobre a Lisboa Medieval e talvez, neste momento, esteja capaz de fornecer um percurso pedreste. Deixo aqui alguns links úteis:

(1)O castelo de S.Jorge sofreu estragos na sequência dos terramotos de 1531, 1551, 1597 e 1699.
(2) O assoreamento do Tejo tem provocado, ao longo dos séculos alterações significativas nas zonas ribeirinhas da cidade de Lisboa. Crê-se que, ainda no séc. XI, um braço do Tejo alagava toda a zona da Baixa até ao Rossio, onde desaguavam dois cursos de água. Um desses cursos de água - o rio de Valverde - percorria o vale onde viria a ser rasgada a Avenida da Liberdade. A documentação da época (séc.XII) faz referência às "hortas de Valverde" que abasteciam a cidade.
(3) Designação atribuída, segundo Oliveira Marques, a um baldio.
(4) A toponímia chama-nos a atenção para os nomes de algumas ruas de Lisboa, reveladoras dos mesteres - fanqueiros, bacalhoeiros, correeiros. Sabe-se que já no séc.XIV os mesteirais tinham ruas próprias.
(5) Descendo a escadaria da Rua Norberto Araújo, passando a Rua da Adiça, Rua S. João da Praça, entra-se na Rua da Judiaria, onde seria o bairro judeu e a Sinagoga (actual prédio com o nº 8 do Beco das Barrelas).
Alguns estudos sobre a cidade de Lisboa:
AAVV, De Campo de Ourique à Avenida, Col. Freguesias de Lisboa, Biblioteca da Educação, CML - Pelouro da Educação, Lisboa, 1995.
AAVV, Monumentos e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, Assembleia Distrital, Lisboa, 1973-1988.
CASIMIRO, Augusto, Lisboa Mourisca, 1147-1947, Minerva, V.N.Famalicão, 1947.
CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antiga. Bairros Orientais, S. Industriais da C.M.L., 2ª Ed., 1937. (só mesmo no alfarrabista)
PROENÇA, Raúl, Lisboa e Arredores in Guia de Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª Ed., Coimbra, 1988

domingo, março 16, 2008

Sou historiador porque sou o filho da morta e o mistério do tempo me persegue desde a infância. Até onde remotam as minhas lembranças, encontro-me fascinado pela memória. Ela retém o cimento do espírito, o segredo da nossa identidade; a memória entrega-nos à vertigem do ser e do tempo.

Pierre Chaunu (1982) in Ensaios de Ego-História, Col. Lugar da História, Edições 70, Lisboa, 1986, p.63

Não sou historiadora, nem tão pouco é o meu objectivo escrever aqui como se o fosse. Ecos do Passado não é um ensaio historiográfico; é um exercício de memória na senda daquilo que somos e porque somos, como resultado de uma aventura sem fim de gerações em cuja a acção reside "o segredo da nossa identidade".