domingo, abril 20, 2008

O Menino do Lapedo

Tema proposto por lunatic
A origem do Homem é um dos temas que mais fascínio exerce sobre nós e principalmente desde o advento da teoria Darwiniana da origem das espécies. Os inúmeros fósseis que têm vindo a ser descobertos ao longo dos anos têm-nos permitido traçar uma linha de evolução, ramificada é certo, que situa as nossas origens num tempo tão distante como os 7 a 4,4 milhões de anos (pré-Humanos: Sahelanthropus tchadensis, entre outros). O homem actual - Homo Sapiens Sapiens - será, pois, à luz do evolucionismo, um resultado final e o único representante do seu género (Homo). Sabemos hoje que, há alguns milhares de anos, a nossa espécie partilhou algumas regiões do globo com uma outra, o Homo Sapiens Neanderthalensis. Aqui importa fazer uma ressalva: partilhar espaços geográficos não é sinónimo de coabitação ou cruzamento genético; lidamos com um tempo demasiado longo e não existem vestígios materiais concretos de uma possível convivência entre as duas espécies.

O menino do Lapedo
Em 1998, no sítio do Lagar Velho (Vale do Lapedo, Leiria), foram encontradas umas ossadas fósseis de um indivíduo de 4 anos de idade com cerca de 25 mil anos.

A descoberta acabou por dar origem a um livro intitulado Portrait of the Artist as a Child: The Gravettian Human Skeleton from the Abrigo do Lagar Velho and its Archeological Context (publicação do IPA, exclusivamente em Inglês vá lá compreender-se o porquê) onde os seus autores, João Zilhão e Erik Trinkaus, apontam o "Menino do Lapedo" como o resultado de um possível processo de mestiçagem entre Sapiens e Neanderthalensis:
"Com efeito, alguns aspectos como a dentição, a robustez dos ossos dos membros ou as proporções relativas da tíbia e do fémur mostram características próprias dos neandertalenses. Pelo contrário, outros como a dentição, o queixo ou as proporções e morfologia da bacia, são claramente próprios dos homens de tipo anatomicamente moderno." (in Tinta Fresca).
A técnica de datação utilizada foi a do Carbono14, contudo não se recorreu a uma análise do DNA mitocondrial que, embora não seja 100% exacta, nos poderia ajudar a comprovar esta teoria.

Em 1997, quatro pesquisadores, dois alemães e dois americanos, conseguiram recuperar uma pequena quantidade do DNA do osso de um Neanderthal (estudo de um trecho de DNA mitocondrial) e compararam-no com o trecho correspondente de 986 outros tipos, provenientes de seres humanos actuais. O resultado conduziu à seguinte conclusão: o DNA dos Neanderthais é muito diferente; encontra-se pelo menos o triplo de divergências do que quando se comparam duas amostras de DNA actuais; logo, o Homo Neanderthalensis é uma espécie diferente da nossa e não houve cruzamento genético entre ambas. Volto a repetir que não se trata de uma análise 100% exacta, conclusiva, mas que apresenta sim uma forte evidência.

Será então ou não o Menino do Lapedo um "eco do passado"? A prova de que duas espécies do género Homo se cruzaram?

"Se na Europa, e numa escala menor no Médio Oriente, encontramos traços de uma coexistência dos dois homens, não existe em contrapartida nenhum resto fóssil a atestar com certeza que eles coabitaram. Os poucos fósseis de híbridos, como o da criança do Lagar Velho em Portugal, deixam perplexa a maior parte dos paleantropólogos porque a descoberta de uma sepultura conjunta seria mais convincente. Esta coabitação é posta em causa por um outro elemento de natureza geográfica: a população neandertalense está estimada em 10 mil indivíduos repartidos pela Europa Ocidental. Uma ocupação mínima mas sobretudo esparsa, bem como hipotética, que teria limitado os contactos com os Homo Sapiens. E se os contactos tiveram lugar, o seu carácter hostil, amigável e porque não sentimental continuam a ser um fascinante mistério." (Diane Grabmuller in revue Science est Vie, Hors-Série, nº235, Edition Trimestriel, Paris, Juin 2006, trad. Maeve)

domingo, abril 13, 2008

Duas informações úteis

1.Europa Romana: encontra-se na Web, desde finais do ano passado, um site que pretende reunir todos os museus da Europa especializados na época romana. O Museu Monográfico de Conimbriga foi um dos primeiros a aderir a este projecto que visa, sobretudo, a troca de informação entre museus e público interessado.

2. Base de Dados Endovélico: para os que quiserem conhecer sítios arqueológicos nacionais, o Instituto Português de Arqueologia disponiliza no seu site o acesso à informação contida na sua base de dados, mediante pesquisa do utilizador.

IPA - Base de Dados Endovélico (ver no menu do site)

quinta-feira, abril 03, 2008

Revolução de 1383 - II

Como evoluiram os acontecimentos após a morte do Conde Andeiro?
Já sabemos que em resposta ao apelo de Gomes Freire e Álvaro Pais, o povo acorreu ao Paço da Rainha para ajudar o Mestre de Avis. De ânimos acesos e julgando-se liberto de todas as amarras socio-económicas, a "arraia-miúda" comete excessos vários - mata o bispo da Sé porque este não mandara tocar os sinos a rebate; mata o prior de Guimarães que, por acaso também estava lá; mata o desprevenido tabelião de Silves que tivera o azar de chegar nesse dia a Lisboa; projecta roubar os judeus e os mouros.
No Paço, o Mestre tenta justificar-se perante Lenor Teles, pede-lhe perdão(não sem ter jantado antes, claro), que fez o que fez por uma questão de segurança da sua própria vida. A rainha é que não está pelos ajustes e parte para Alenquer, juntamente com uma boa parte da nobreza, de onde pedirá auxílio ao seu genro, o rei de Castela. Afonso Telo, um dos principais implicados no golpe, acompanha-a.

E agora? O Mestre de Avis não tem dúvidas - a vingança não tardará. Resolve fugir para Inglaterra. O povo cai em si e adivinha já as represálias que sofrerá. Prevê-se invasão castelhana...massacre. Nenhum dos envolvidos na trama e seus apoiantes se preocupa com o que poderá acontecer à plebe urbana: "O povo, que nascera para trabalhar, não podia fazer parte das suas preocupações. O melhor era, como aconselhava (a prudência), cada qual pensar na segurança de seus bens.", diz-nos Valentim Fernandes (1).

Álvaro Pais parte para Alenquer, na esperança de conseguir uma reconciliação com a rainha e é aqui que surge um pormenor interessante - propõem-se a Leonor Teles, a "aleivosa" no dizer do povo, que case com o Mestre de Avis. Pormenor interessante porque nos mostra que, a despeito do que de mal dela se pensava, não passava de um "joguete" em toda a trama política e era essa, sem sombra de dúvida, a posição da mulher nobre na Europa medieval - servir interesses políticos e patrimoniais (ambos interligados), por via do casamento. Leonor Teles rejeitou a proposta, mas não teve melhor sorte por causa disso, uma vez que terminou os seus dias enclausurada no Mosteiro de Tordesilhas, a mando do seu genro.

Entretanto em Lisboa, o Mestre de Avis é animado a não partir. Saliento aqui a intervenção de um certo emparedado, Frei João da Barroca, muito dado a profecias e que sob consulta terá vaticinado o trono ao futuro rei de Portugal. Enfim, lá fica marcada "assembleia" na Igreja do convento de S. Domingos (Rossio) onde "os homes dos mesteres, pobradores e moradores de Lisboa"(2) e inúmeros populares resolvem elevar o mestre à categoria de "Regedor e Defensor do Reino". A burguesia citadina, à cautela, ainda se tentou abster de tal decisão, mas acabou por a aceitar.

Agora sim, vão surgir as compensações para quem as merece (e não merece). O Mestre, que nesta altura não passava de um mero representante dos interesses ao trono do seu meio-irmão D. João (filho de D.Pedro I e Inês de Castro), retido em Castela, constitui um conselho formado por burgueses que viram assim atendidas as suas antigas reinvindicações de associação ao poder político. Por sua vez, o governo da cidade de Lisboa fica entregue aos mesteirais. Acerca destes últimos diz-nos Maria José Ferro: "A 1 de Abril de 1384, o Mestre de Avis privilegia os naturais de Lisboa, numa carta que não se contenta com o formulário usual de confirmação de privilégios anteriormente outorgados, mas que é, sobretudo, uma resposta a possíveis reinvindicações do povo miúdo.(...) É nele, segundo a nossa opinião, que está patente a grande vitória que o povo miúdo dos mestres obteve com a sua acção em 1383-85:
- uma participação activa na vida do município;
- uma colaboração, por intermédio de representantes seus, no conselho régio;
- e a inversão dos privilegiados no pagamento de impostos, o qual seria distribuído em função da riqueza de cada um donde a isenção dos menos ricos
(o que me faz isto lembrar?!)".(3)
A estas disposições se acrescenta que em 1385, todas as pretensões dos mesteirais foram deferidas por D. João I.

(1) Lisboa. A Força da Revolução (1383-1385), Col.Horizonte Histórico, nº7, Livros Horizonte, Lisboa, 1985

(2) Fernão Lopes, Crónica de D. João I

(3) "A Revolta dos Mesteirais de 1383" in Actas das III Jornadas Arqueológicas de 1977, Vol.I, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 1978, pp.367-368