segunda-feira, março 17, 2008

Lisboa Medieval: apontamentos

Legenda da imagem:
a) Rossio b) Alcaçova do castelo c)
d,e) Cerca moura

Quem passeia hoje pela cidade de Lisboa não tem, nem pode ter, a percepção de como ela era no tempo em que D. Afonso Henriques a conquistou aos mouros. O burgo evoluiu, naturalmente, mas mesmo aquela que pode ser considerada a sua zona histórica sofreu grandes alterações e em boa parte devido ao terramoto de 1755. O que hoje subsiste de "medieval" em Lisboa pode ser encontrado nos antigos bairros de Alfama e Mouraria, no alto e na vertente sul do monte onde podemos ver o que resta do castelo de S.Jorge e mesmo esse sofreu importantes intervenções de restauro na década de 1940 (1).

Quando em 1147 D. Afonso Henriques conquistou a cidade, supõem-se que esta teria já entre 12 a 15 mil habitantes. Para além do casario intra-muros (Cerca Velha ou Moura), existiria já um populoso bairro em parte do vale da Baixa, fundado sobre a acumulação de sedimentos e assoreamento do esteiro do Tejo(2).

D. Afonso III foi o primeiro rei que estabeleceu corte em Lisboa, elevando-a a capital do reino e iniciando, assim, um período de mais rápido desenvolvimento. Se algumas cidades do nosso país ficaram a dever o seu crescimento e a sua prosperidade ao comércio externo, principalmente marítimo, Lisboa foi uma delas. A sua importância comercial era evidente devido à tradição do seu comércio muçulmano e ao seu bom porto. Quando nos fins do séc. XIII, os italianos iniciaram as suas viagens para a Flandres, através do estreito de Gibraltar, estabeleceram-se nalguns portos portugueses, sobretudo em Lisboa. A cidade tornou-se, então, um activo centro de comércio.

A partir de meados do séc. XIV, o crescimento da cidade acentuou-se devido à forte imigração de centenas ou milhares de pessoas oriundas de todo o Reino. Esse crescimento foi de tal forma que D.Fernando (1345-1383) resolveu proceder a novo amuralhamento - as novas muralhas levaram 2 anos a construir e fechavam uma área de 103 hectares; as suas portas principais eram as de Santa Catarina (ao actual Largo das Duas Igrejas), São Roque (largo de Trindade Coelho); postigo do Duque, Portas de Santo Antão (aproximadamente onde é hoje a Casa do Alentejo), da Mouraria, de Santo André e da Cruz, correndo a muralha, na margem, até ao Corpo Santo.
À semelhança de outros burgos em condições semelhantes, surgiram espaços comerciais - mercados e feiras -, alguns dos quais nas imediações das portas da muralha. Um desses espaços era o "rossio"(3), próximo da porta de Santo Antão. Outros nós vitais eram as praias e os terrenos junto ao rio que, no tempo de D. Fernando, conheciam um muito concorrido mercado - a Ribeira Velha (designação posterior) - que se estendia do Campo das Cebolas à Rua do Cais de Santarém.
Ainda no séc. XIV, surgiu uma rua dedicada ao comércio retalhista, que se converteu no verdadeiro coração da cidade - a Rua Nova. Ali residiam os ricos burgueses, se abriam as tendas mais ricas e requintadas e se realizavam feiras e festividades. Esta rua ia da esquina da actual Rua do Ouro para a de S. Julião, descaindo para a margem, até ao ponto onde a Rua dos Fanqueiros(4) entronca com a Rua do Comércio.
Os mouros e os judeus possuiam locais próprios para residir - a "aljama" e as judiarias (5), frequentemente próximas das áreas de mais intenso movimento mercantil.
Perto a "aljama" situavam-se as casas nobres da cidade, como sejam o "Paço da Rainha" na Rua do Limoeiro (Leonor Teles), próximo da Sé, e supostamente a casa onde D. João I terá nascido.
Toda a zona da Baixa assemelhava-se muito a Alfama e a actual Praça do Comércio estava alagada. Entre a Praça do Comércio e o Cais do Sodré, seriam os estaleiros navais de D. Fernando.

Não existem, segundo sei, visitas organizadas pela Câmara Municipal de Lisboa ou pelo Museu da Cidade que cumpram um trajecto que nos leve a conhecer a cidade como ela era antes de 1755. O SPGL (Sindicato dos Professores da Grande Lisboa) organiza uma ou outra de tempos a tempos e os não sócios podem inscrever-se...mas não é por aí que vamos lá. As iniciativas nesse sentido partem de escolas, professores e alunos, exigindo muita pesquisa. O Museu da Cidade é um bom ponto de partida dado que possui informação sobre a Lisboa Medieval e talvez, neste momento, esteja capaz de fornecer um percurso pedreste. Deixo aqui alguns links úteis:

(1)O castelo de S.Jorge sofreu estragos na sequência dos terramotos de 1531, 1551, 1597 e 1699.
(2) O assoreamento do Tejo tem provocado, ao longo dos séculos alterações significativas nas zonas ribeirinhas da cidade de Lisboa. Crê-se que, ainda no séc. XI, um braço do Tejo alagava toda a zona da Baixa até ao Rossio, onde desaguavam dois cursos de água. Um desses cursos de água - o rio de Valverde - percorria o vale onde viria a ser rasgada a Avenida da Liberdade. A documentação da época (séc.XII) faz referência às "hortas de Valverde" que abasteciam a cidade.
(3) Designação atribuída, segundo Oliveira Marques, a um baldio.
(4) A toponímia chama-nos a atenção para os nomes de algumas ruas de Lisboa, reveladoras dos mesteres - fanqueiros, bacalhoeiros, correeiros. Sabe-se que já no séc.XIV os mesteirais tinham ruas próprias.
(5) Descendo a escadaria da Rua Norberto Araújo, passando a Rua da Adiça, Rua S. João da Praça, entra-se na Rua da Judiaria, onde seria o bairro judeu e a Sinagoga (actual prédio com o nº 8 do Beco das Barrelas).
Alguns estudos sobre a cidade de Lisboa:
AAVV, De Campo de Ourique à Avenida, Col. Freguesias de Lisboa, Biblioteca da Educação, CML - Pelouro da Educação, Lisboa, 1995.
AAVV, Monumentos e Edifícios Notáveis do Distrito de Lisboa, Assembleia Distrital, Lisboa, 1973-1988.
CASIMIRO, Augusto, Lisboa Mourisca, 1147-1947, Minerva, V.N.Famalicão, 1947.
CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antiga. Bairros Orientais, S. Industriais da C.M.L., 2ª Ed., 1937. (só mesmo no alfarrabista)
PROENÇA, Raúl, Lisboa e Arredores in Guia de Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª Ed., Coimbra, 1988